Além de enfrentarem mais um ano de estiagem, os pequenos produtores do Sertão e Agreste temem mais um ano de abandono da política estadual de apoio à agricultura familiar. No ano passado, o governo prometeu assistência técnica rural, distribuir mil toneladas de sementes de milho, feijão, sorgo e de arroz, além de fomentar a agricultura tradicional do semiárido. As promessas não se concretizaram.
Os técnicos da Secretaria de Agricultura, Pecuária, Pesca e Aquicultura fizeram novo projeto de distribuição de sementes em 2020. Até agora nada saiu do papel. O projeto estaria engavetado no governo sob a alegação de falta de recursos.
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A situação do sertanejo não está pior porque a Defesa Civil nacional confirmou a liberação de R$ 10 milhões para execução do programa de carro-pipa "Água é vida", que junto com a operação do Exército atenderá mais de 300 mil pessoas das comunidades rurais de 42 municípios do semiárido em situação de emergência, reconhecida pelo governo federal.
Diariamente, agricultores, prefeitos e candidatos às eleições municipais do semiárido marcham em direção a Maceió, onde vêm pedir "socorro" [sementes e água] ao novo secretário de Agricultura, João Lessa. A maioria retorna às comunidades só com promessas de que o governo Renan Filho (MDB) executará, este ano, o projeto "Alagoas: uma nova fronteira em produção de grãos". O programa foi idealizado em 2015 e também não saiu do papel.
Um dos equipamentos que poderia, neste momento, socorrer os agricultores prejudicados pela seca e desenvolver projetos de irrigação - o Canal do Sertão -, já tem mais 100 quilômetros construídos, com água do rio São Francisco, e nenhum projeto efetivo. A obra financiada pelo governo federal anda em passos lentos e já engoliu mais de R$ 2,5 bilhões.
Na quinta-feira, 27 de fevereiro, o produtor rural Antônio Telmo Noia, mais conhecido como Tony, no município de Pariconha, no Sertão (distante 252 quilômetros da capital), esteve na Secretaria de Agricultura e pediu sementes e água para a região.
Além de ser um das lideranças política, também é agricultor. Planta feijão, milho, mandioca e outras culturas de subsistência. "A gente vem sofrendo muito com a estiagem. Neste período chuvoso no litoral, na minha região registrou uma chuvada. Mas não modificou a situação de seca".
Tony confirmou que no ano passado não houve sementes para os pequenos agricultores. "Estou hoje (quinta-feira, 27) na Secretaria de Agricultura para reivindicar sementes a fim de atender as associações e sindicatos rurais da região. No ano passado não teve sementes e existe uma preocupação do problema se repetir", confirmou.
Ao sair do encontro com o secretário João Lessa, o agricultor disse não ter recebido nenhum sinal concreto de que chegará sementes para atender os agricultores na quadra chuvosa, que começa entre março e abril. Porém, se mostrou otimista. "O secretário é novo no cargo. Precisamos dar um voto de confiança a ele. Acredito que as sementes chegarão em tempo de plantio", ressaltou.
Pelo segundo ano consecutivo, os técnicos da Secretaria de Agricultura elaboram o plano anual de distribuição de sementes: milho, feijão, sorgo e arroz. As previsões dos técnicos indicam que mil toneladas de sementes serão para os produtores da agricultura familiar do sertão, agreste e baixo são francisco. No entanto, fontes ligadas a pasta da agricultura estadual revelam que o projeto está pronto e engavetado desde janeiro. Não há previsão de distribuição das sementes para a agricultura familiar.
Secretaria passa por momento de transição
Um dos técnicos da Secretaria descartou a possibilidade de distribuição de sementes na primeira quinzena de março, para iniciar o plantio, sobretudo de milho, no dia 19 de março. O dia de São José, quando chove, estimula milhares agricultores a plantar o milho e o feijão para colher no período das festas de São João.
A crença popular é tratada como "lenda" por assessores próximos do governador Renan Filho. "Se houver distribuição de sementes este ano deve acontecer no final de março até a primeira quinzena de abril, quando começa a quadra chuvosa da agricultura alagoana", disse o técnico, que prefere não ter o nome divulgado. Ao ser questionado se garantia a distribuição de sementes, foi taxativo: "não garanto nada".
Neste momento, a Secretaria de Agricultura passa por um momento de transição e confusões que partem inclusive do Palácio do governo. Diversos técnicos esperam definições sobre a permanência ou não nas funções de comando. Nos bastidores da Agricultura, os servidores dizem que o novo secretário João Lessa está montando uma nova equipe de assessores. Por conta das mudanças, vários projetos permanecem indefinidos e os técnicos ficam com receio de emitir pareceres ou falar a respeito dos programas parados e os que estão em andamento.
E as confusões não param por ai. O Dário Oficial publicou o decreto nº 69.246, de 21 de fevereiro de 2020, onde o governador José Renan Vasconcelos Calheiros Filho "resolve autorizar o afastamento do País, com ônus para o erário estadual, a cargo da Secretaria de estado da Agricultura, Pecuária, Pesca e Aquicultura, do seu secretário João Emanuel Barros Lessa Neto, no período de 15 a 20 de março do corrente ano, representando os interesses do estado de Alagoas, para participação do Programa de Liderança Executiva no Desenvolvimento da Primeira Infância, promovido pela universidade de Harvad, nos Estados Unidos da América". Na secretaria, muito gente estranhou a indicação do secretário para o evento internacional ligado ao desenvolvimento da primeira infância.
Secretário de Agricultura desconhece portaria do governador
Até quinta-feira (27 de fevereiro) o próprio secretário desconhecia a portaria do governador. Ao ser questionado se representaria o governo de Alagoas num evento nos Estados Unidos, o secretário respondeu que "não ele tinha nada programado neste sentido". Demonstrou desconhecer a portaria publicada no Diário Oficial do estado.
Num rápido contato com a reportagem da Gazeta, o secretário João Lessa rebateu ainda as informações dos técnicos da pasta a respeito da distribuição de semente. Ao ser questionado se este ano haverá mil toneladas de sementes para os produtores da agricultura familiar, João Lessa respondeu que "ainda estamos elaborando o projeto para ser apresentado e avaliado pelo governador Renan Filho. Ainda não temos nada concreto para anunciar".
Enquanto o governo de Alagoas demonstra falta de agilidade para oferecer alternativas sobretudo aos pequenos produtores da agricultura familiar do semiárido, a bancada federal busca recursos para tentar salvar a agricultura. A pasta recebeu recursos da ordem de R$ 14 milhões da emenda parlamentar destinada a construção de cisternas na zona rural de municípios do Sertão e Agreste.
Num balanço sobre os estragos da seca, o secretário confirmou que houve prejuízo. Não mencionou o montante. No entanto, demonstrou otimismo e crença na mudança de tempo. "As coisas vão melhorar. A gente precisa acreditar e ter o pensamento positivo", afirmou.
EMERGÊNCIA
O governo federal reconheceu, por intermédio da portaria nº 355 no último dia 22 de fevereiro, a situação de emergência de 42 municípios que não registra chuvas regulares há mais de dois anos. A Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil direcionou para a conta da Coordenação estadual de Defesa Civil recursos da ordem de R$ 10 milhões. Cerca de 30% deste montante já está empenhado para a contratação e credenciamento de 120 caminhões-pipas. Esta água não pode ser utilizada politicamente, nem vendida, e será fiscalizada por órgãos federais e estaduais.
Além da Defesa Civil estadual, mais 160 caminhões-pipa fretados pelo Exército distribuem água em comunidades rurais dos municípios em situação de emergência. As duas operações atenderão mais de 300 mil sertanejos, alguns deles vivem próximos do rio São Francisco e do Canal do Sertão, mas não recebem água tratada em casa.
Ao liberar os recursos, o governo federal exige que toda a água distribuída pela Defesa Civil de Alagoas deve ser fiscalizada e ser potável para o consumo humano. Desde o ano passado, o Exército socorre as comunidades rurais com 160 caminhões-pipa que transportam água de poços e adutoras credenciadas. Mesmo assim, a água antes de ser distribuídas nas comunidades recebe pastilhas de cloro para evitar riscos.
Os 120 caminhões fretados pela Defesa Civil estadual levarão água para 650 comunidades. Pelos cálculos do capitão do Corpo de Bombeiros Alan Cavalcante, que coordena a distribuição de água pela Defesa Civil, cerca de 120 mil pessoas serão beneficiadas, a partir de março, pela operação. "A Defesa Civil de Alagoas faz uma operação extra para dar suporte a operação em curso pelo Exército. As 650 comunidades que serão atendidas por nossa equipe ficam em locais diferentes das atendidas pela operação do Exército", destacou o capitão.
Outro detalhe importante é que as comunidades atendidas ficam na zona rural dos municípios de Água Branca, Arapiraca, Batalha, Belém, Belo Monte, Cacimbinhas, Canapi. Carneiros, Coité do Noia, Craíbas, Delmiro Gouveia, Dois Riachos, Estrela de Alagoas, Girau do Ponciano, Igaci, Inhapi, Jacaré dos Homens, Jaramataia, Lagoa da Canoa, Major Izidoro, Maravilha, Mata Grande, Minador do Negrão, Monteirópolis, Olho D`Água das Flores, Olho D` Água do Casado, Olho D`Água Grande, Olivença, Ouro Branco, Palestina, Palmeira dos Índios, Pão de Açúcar, Pariconha, Piranhas, Poço das Trincheiras, Quebrângulo, Santana do Ipanema, São José da Tapera, Senador Rui Palmeira, Tanque D´Árca e Traipu. As operações da Defesa Civil e do Exército atendem mais de 300 mil alagoanos, avaliam os técnicos da Defesa Civil.
Quem perceber o envolvimento político ou o comércio ilegal de água da Defesa Civil, pode denunciar pelo telefone (82) 3315-2843, da central da Defesa Civil. A água do Exército e da Defesa Civil é de graça.