A "Feira do Passarinho" resiste à ameaça de extinção e tem duas filiais no bairro da Levada. No prédio da Ceasa funciona o maior comércio informal de Maceió, com produtos de origem desconhecida e quase 10 mil pessoas que trabalham espremidas, num imóvel com rachaduras, sem banheiro, sem água e sem segurança. No canal da Levada, tem comércio de gaiolas. Na rua Francisco de Menezes, o ponto tradicional, ficaram feirantes, profissionais e ambulantes mais antigos. Depois de diversas tentativas de acabar com a feira nos últimos 20 anos, hoje a prefeitura quer revitalizar a Feira do Passarinho e transformá-la em polo cultural.
Estima- se que a Feira do Passarinho começou a funcionar no seu ponto tradicional - na Rua Francisco de Menezes -, no bairro da Levada, pelos idos de 1940. Não há precisão histórica disto. Sabe-se, porém, que há poucos metros funcionava o Mercado Público de Maceió, construído em 1936 e inaugurado três anos depois. Com o passar dos anos, o estabelecimento ficou pequeno e na frente foi construído outro mercado, o da Produção. O antigo se transformou em Mercado do Artesanato. Naquele tempo, as pessoas com dificuldades financeiras vendiam gaiolas, pássaros, mantinham pequenos restaurantes e barracas de lanches nas imediações dos mercados. Esta pode ter sido a origem da tradicional feira de troca-troca, do comércio informal, boemia e prostituição da capital.
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A Feira do Passarinho acompanhou o desenvolvimento e não parou de crescer. Por falta de espaço na rua principal, os ambulantes montavam bancas móveis, inclusive no meio dos trilhos do trem. Até os fotógrafos "lambe-lambe" desafiavam a "Maria Fumaça" nos trilhos ou nas vias de acesso à feira.

Com o agravamento da crise econômica, muita gente montou ponto e se estabeleceu ali. Alguns comerciantes chegaram criança, trabalhavam com ajudante dos pais e permanecem até hoje. A maioria dos produtos do comércio informal é de origem duvidosa. O escambo é praticado por todos e faz o dinheiro circular.
"As famílias com dificuldade financeira, até hoje, se desfazem de eletrodomésticos, móveis, roupas, calçados, relógios e joias naquela feira. Até agentes públicos, antes, negociavam armas, como revólver e faca peixeira", lembra o comerciante José Otávio, ao admitir comprar e comercializar produtos sem questionar a procedência.
A amendoeira da rua Francisco de Menezes ainda está lá e faz sombra para os antigos comerciantes que resistem no ponto tradicional da Feira do Passarinho. Waldomiro Possidônio dos Santos, de 70 anos, pai de 13 filhos, casado e com relacionamento com mais oito mulheres, começou a trabalhar na feira do passarinho numa "banquinha" como ajudante da mãe e também comerciante, Palmira Maria da Conceição. O dinheiro que ganhava ajudava a sustentar os seis irmãos.

O primeiro negócio dele foi cachorro quente. "Cheguei a vender 9 mil passaportes (cachorro quente típico de Alagoas) por mês. Com o dinheiro que ganhei, comprei casa boa para minha mãe, a minha casa, um carro bom, sustentava as minhas farras, minhas mulheres e ajudava os filhos. Até a minha aposentadoria da Previdência Social veio daqui".
Uma das mais respeitadas e antigas é a comerciante Sônia Ribeiro, de 57 anos, quatro filhos e oito netos. Começou a trabalhar com 17 anos e conheceu ali o primeiro e único namorado, o também feirante José Cesário da Costa. Eles mantém uma banca e revendem peças e acessórios de bicicletas. O marido está doente e ela ficou encarregada de manter o ponto comercial.
Outro que chegou criança foi Cícero Anselmo, de 50 anos, casado, oito filhos e dez netos. "São quase 40 anos consertando e vendendo bicicletas. É nesta feira que garanto o sustento da minha família". Os pais dele trabalhavam na zona rural de União dos Palmares e Cícero queria se mudar para a capital.

A estória é parecida com a do comerciante José Ataíde da Silva, de 63 anos, conhecido como "Paulo Gaia". Ao ficar desempregado, há 35 anos, foi trabalhar na feira para sustentar os 13 filhos. Com o dinheiro que ganha hoje, ajuda também na sobrevivência dos seis netos. "Enquanto tiver desemprego e pobre nesta cidade, a Feira do Passarinho não pode acabar. Aqui ainda é meio de vida para muita gente que precisa sustentar a família", ressalta.
Outro personagem típico é Sérgio Santos, de 56 anos, que há mais de 30 anos vende e troca mercadorias. Ao conversar com a reportagem daGazeta,ele segurava nos braços um aparelho de DVD seminovo, creme para alisar cabelo, um relógio surrado e cheirava a álcool. "Eu trabalhava como motorista, fiquei desempregado, entrei neste ramo de troca-troca, compra e venda, e não saí mais".
Entre os ambulantes e feirantes, há profissionais habilidosos, como o relojoeiro José Ailton da Silva, de 56 anos, que começou a trabalhar com oito anos de idade ajudando o pai e com ele aprendeu a técnica de consertar relógios de qualquer marca. A relojoaria dele funciona numa banca perto da linha do trem e cheia de relógios velhos. Casado, três filhos, ele consegue faturar até R$ 300/dia com o conserto, a troca, compra e venda de relógios. "Os prefeitos anteriores tentaram acabar com a feira, mas não conseguiram", lembra o relojoeiro ao destacar que o negócio informal sempre vai existir em qualquer cidade.

Em 2007, a Companhia Brasileira de Trens Urbanos - CBTU - começou a investir R$ 270 milhões (valor atual) na modernização de 36 quilômetros da malha ferroviária, na recuperação e construção de novas estações, aquisição dos VLTs (Veículos Leves Sobre Trilhos) em substituição às velhas composições. Um dos empecilhos do projeto era a ocupação desordenada da Feira do Passarinho. A prefeitura, mais uma vez, tentou acabar com a desordenada Feira do Rato. A reação foi imediata, milhares de feirantes e ambulantes prometiam reagir. Os gestores municipais recuaram.
Diante do dilema, a prefeitura relocou a maioria dos feirantes para o prédio da antiga Central de Abastecimento de Alagoas - Ceasa. Uma pequena parte de feirantes que trabalha com gaiolas e produtos para pássaros de cativeiro preferiu se alojar em bancas improvisadas nas margens do canal do bairro da Levada, onde permanecem.
A Feira do Passarinho resistiu e hoje tem filiais. No ponto tradicional da rua Francisco de Menezes, tem mais de mil pessoas que mantém os negócios de troca-troca de mercadorias a maioria de procedência desconhecida; alguns trabalham com prestação de serviços, carregadores, relojoeiros, com tráfico de droga e prostituição. A feira funciona como sempre funcionou tem a parte legal e a clandestina.
A nova e maior Feira do Passarinho é a filial da Ceasa, com 960 boxes, mais de 600 pontos de vendas no chão sem contar com mais de dois mil ambulantes que movimentam os negócios de troca-troca, venda e compra de produtos, consertos de aparelho eletro-eletrônicos, venda de lanches, frutas, entre outros gêneros alimentícios. Segundo cálculo aleatório do presidente da Associação dos Comerciantes da Nova Feira do Passarinho- ACNFP, Maurício Silva de Freitas, quase 10 mil pessoas sustentam as famílias do comércio informal e mantém a feira viva.
O líder dos negociantes diz que milhares de pessoas correm risco diariamente. "O pessoal da prefeitura nos trouxe para este prédio com a promessa de garantir a segurança municipal, manutenção e fiscalização mínima. Completamos 10 anos esquecidos neste ponto", reclamou.

Prefeitura vai investir na revitalização da feira
O secretário Municipal de Segurança e Convívio Social (SEMSCS), coronel Ivon Berto, confirmou que a sua pasta está desenvolvendo um projeto de revitalização de várias praças do centro de Maceió e em especial no trecho no bairro da Levada. "Aquela área já foi um dos principais centro comerciais da cidade. Ali começou o desenvolvimento comercial e ainda tem importância social", destaca o secretário.
O titular da SEMSCS, coronel Ivon Berto, trabalha para transformar e preservar aquela área histórica da vida comercial e social da cidade. "Estamos fazendo um projeto para melhorar a estrutura da região e transformá- la em ponto turístico". Segundo o secretário, a Feira do Passarinho naqueles moldes do passado, onde os comerciantes montavam bancas móveis na linha do trem e atuavam em um comércio confuso e clandestino, "não existe mais".
No local ainda tem comerciantes antigos. "A Feira do Rato, como era conhecida, acabou. Ali permaneceram comerciantes, prestadores de serviços e ambulantes. Queremos ordenar, organizar e modernizar os serviços oferecidos na feira". O projeto da prefeitura, conforme explicou o secretário Ivon Berto, é criar infraestrutura, montar bancas móveis e manter o local com banheiros e segurança.
A Secretaria Municipal de Segurança e Convívio Social, em conjunto com outras secretarias, iniciaram ações conjuntas na área. A primeira delas foi a melhoria da pavimentação com asfalto na rua Francisco de Menezes, onde funciona a tradicional Feira do Passarinho. Iniciou o processo de revitalização com serviço de drenagem, fez a demarcação dos boxes que serão remodelados e estabeleceu novas regras de funcionamento do comércio local. A SEMSCS quer criar condições para dar mais dignidade aos pequenos comerciantes. O próximo passo é construir banheiros públicos.
A revitalização acontecerá nos dois lados da linha do trem, que há mais de 30 anos foi ocupada de forma desordenada e sofreu com o processo de favelização, ponto de comércio informal e clandestino.
O projeto de revitalização está orçado em R$ 600 mil, dinheiro que a prefeitura neste momento não dispõe. Uma das ideias é buscar a parceria público privada para recuperar aquele que já foi o primeiro ponto comercial da cidade, a exemplo do que aconteceu no Recife Velho (PE) e no Pelourinho, em Salvador (BA); criar um polo cultural e garantir a sobrevivência social. "Revitalizar a Feira do Passarinho é o nosso propósito", enfatizou o coronel Ivon.