Se você é daqueles que associa alfarrábio à coisa velha, é bom se atualizar. Há alguns anos, as lojas de livros usados de Maceió têm investido em inovação e diversificado os produtos para se aproximar de clientes cada vez mais exigentes. Além de livros usados, mas em bom estado de conservação, é possível encontrar atualmente CDs, DVDs, discos de vinil e até mesmo produtos novos, que são vendidos não só em lojas físicas, mas por meio de plataformas digitais.
É bem verdade que o avanço da tecnologia provocou uma queda significativa nas vendas. Os alfarrábios chegam a registrar uma redução de até 80% no volume mensal de livros vendidos. Por outro lado, viram crescer a comercialização de discos de vinil. O nicho de mercado cresceu nos últimos anos e ganhou adeptos de várias gerações: de saudosistas aos que querem apenas conhecer a versão "original" de artistas consagrados dentro e fora do país.
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O comerciante Edvaldo José Pereira, de 58 anos, conta que é dono de uma loja de livros usados no Centro de Maceió há quase 24 anos. Segundo ele, as vendas começaram a cair nos anos 2000 e a redução vem se agravando ano após ano. Hoje, revela, o produto que mais vende são os discos. Os clientes procuram o alfarrábio em busca de raridades. Normalmente, são colecionadores dispostos a pagar um preço significativo pelo produto procurado.

"No auge, cheguei a vender uma média de dez livros por dia. Hoje eu não vendo nem 50 por mês. O que sai mesmo são os vinis. Vendo cerca de 100 por mês. Também tenho CDs e DVDs. Mas, a preferência são os discos de rock progressivo dos anos 50 e 60. Quem é colecionador procura, pede para reservar e compra mesmo. É isso que tem permitido a gente se manter no mercado ainda", explica Edvaldo, que tem um acervo de mais de 10 mil livros.
Para superar a queda nas vendas e conquistar novos mercados, o comerciante Rendrikson da Conceição Silva, de 30 anos, decidiu apostar na internet. Além de criar perfis próprios para o seu alfarrábio nas redes sociais, ele decidiu se associar a lojas virtuais, como a Estante Virtual. Com isso, ele garante mais visibilidade e se conecta com uma parcela de clientes nem sempre está disposta a se deslocar até uma loja física para ter acesso aos produtos que desejam.
Rendrikson, ou apenas "Rei", como prefere ser chamado, revela que trabalha em alfarrábios desde os 12 anos. O negócio que comanda pertenceu um dia ao seu avô, foi passado para tios, para o pai e hoje é gerido por ele. Com 30 anos de idade, o comerciante acumula 18 de experiência e sabe que inovar é o caminho para não fechar as portas. Além das vendas, ele aceita trocas e permite que os clientes paguem apenas uma taxa em caso de troca em sete dias.
"Nós temos hoje um acervo de cerca de 20 mil livros. Os clientes podem comprar os produtos, podem trocá-los ou podem fazer uma espécie de aluguel. Ele traz um livro, paga a diferença e tem sete dias para ler. Quando ele voltar, deixa o [livro] que leu, paga a taxa e leva outro. Assim, ele pode ler o nosso acervo inteiro", explica o comerciante à reportagem.

PREÇO E DIVERSIDADE SÃO ATRATIVOS PARA OS CLIENTES
Para o gerente de informática José Carnaúba, de 61 anos, o preço é o principal atrativo dos alfarrábios. Ele conta que frequenta lojas de livros usados há mais de 30 anos e revela que os romances de ação são os que ele mais gosta de ler. Somente esta semana, ele adquiriu cinco novos títulos e saiu orgulhoso com o material que conseguiu encontrar.
"Normalmente, eu venho ao alfarrábio e faço uma troca. Hoje, por exemplo, trouxe dez livros e estou saindo com cinco. Além do custo-benefício, eu prefiro pegar no papel, poder passar de folha por folha. Até já li livros digitais, mas não é o que gosto. Gosto mesmo é de ter o livro em mãos", ressalta seu José enquanto escolhe os novos títulos que vai levar.
Mas a busca por livros físicos vai muito além do preço. Os argentinos Inácio Perez e Luzia Belardo procuraram um alfarrábio na última quarta-feira em busca de um título para que pudessem aprimorar o português. Os dois buscavam um livro conhecido, mas de fácil compreensão para que pudessem treinar a língua do país que escolheram para morar.
"Nós moramos em Maragogi e lá não tem livrarias. Decidimos, então, procurar um livro em português para que possamos aprender o idioma. Minha preferência são novelas. E, em uma loja de livros usados, eu posso encontrar o que quero por um preço muito mais acessível", explica Luzia enquanto tenta ler trechos do livro "O Pequeno Príncipe".
A argentina revela que até lê livros pela internet, mas que buscou o alfarrábio pela grande quantidade de livros que ele dispõe. "Há muitas opções aqui. Além disso, quando vamos para a praia, não conseguimos ler pela tela. É bem mais confortável ler um livro físico", conclui.
ESPECIALISTA DEFENDE MAIOR VALORIZAÇÃO PARA SEBOS
Para o economista e professor Cícero Péricles, o alfarrábio nunca irá acabar. O especialista explica que nos comércios popularmente conhecidos como "sebos", o livro se enquadra no chamado mercado secundário e, apesar de a mercadoria ter uma data para "morrer", devido à pobreza da sociedade, os produtos têm uma sobrevida, por diferentes características.
Em Maceió, existe um grande conglomerado de comerciantes de livros usados no centro da cidade. De acordo com Péricles, eles sempre terão espaço por oferecer um produto que sempre será buscado, apesar da oscilação no volume de vendas.
"Durante o inverno, as vendas enfraquecem devido ao período de chuva. Durante o final e início do ano, entre os meses de dezembro, janeiro e fevereiro, as vendas registram um aumento. Maior poder aquisitivo no fim do ano, compra de presentes e de material escolar são um dos fatores", pontuou Cícero Péricles.
O problema para esse comércio, segundo o professor, é a falta de políticas públicas para esse setor. São muitas as deficiências: falta de ordenamento interno, de banheiro, de local para estacionar e de conforto para o cliente, que não tem um espaço para sentar e fazer leituras.
"Se eles não fecharam, é porque há um mercado cativo e conseguem se manter, mesmo com baixa rentabilidade. Mas, precisam de uma valorização devido ao serviço extraordinário que prestam à cidade, uma função cultural importantíssima", disse.
MERCADO LITERÁRIO EM MACEIÓ
A venda de livros na capital alagoana mantém seu espaço, mesmo no momento atual de crise econômica. O economista explica que o comércio de livros é determinado pela renda e escolaridade, e com o aumento desses fatores nas duas últimas décadas, o objeto livro começa a ter uma importância que antes não tinha.
O professor destaca ainda as vendas que ocorrem na Bienal do Livro, em Maceió. "Passam cerca de 250 mil pessoas por lá. As pessoas vêm do interior para participar", colocou.
O número de livrarias aumentou nos últimos anos em Maceió com a abertura de novas lojas, inclusive nos shoppings da parte baixa da cidade. "Vender não apenas livros na livraria é um fenômeno do varejo, e acontece em todas as áreas. Em uma farmácia não vende exclusivamente remédio hoje em dia. É o mesmo caso da livraria. Só são vendidos produtos correlatos, e é algo positivo pois atrai o cliente para os livros", explica o professor.

DIVERSIFICAÇÃO TAMBÉM NAS LIVRARIAS
Na maior livraria de Maceió, localizada em um shopping no bairro de Cruz das Almas, produtos como CDs, DVDs, objetos de decoração, produtos de tecnologia e papelaria são facilmente encontrados. Mas engana-se quem pensa que esses produtos são mais vendidos que livros em Maceió.
De acordo coma gerente da loja, Soraya Correia, quando uma livraria abre, as vendas de livros ocupam 70% dos negócios, e após alguns meses, passam a representar 50% das vendas. Porém, na livraria de Maceió, a porcentagem de venda de livros continua a mesma. No ano passado, mais de 138.000 exemplares foram vendidos.
"Das 67 lojas da rede, Maceió está em quarto lugar de vendas de livros. A livraria não reduziu para dar espaço para os outros produtos. Esses produtos atraem os clientes para o nosso foco principal, que é o livro", explicou a gerente. "Às vezes a criança não gosta de ler, vai nos games, mas passa pelos livros e pode se interessar", acrescentou.

A livraria se instalou em Maceió no início do momento de crise econômica nacional, entre 2013 e 2014, porém, essa instabilidade econômica não foi sentida pela loja. Segundo Soraya, em Alagoas há uma sede muito grande de leitura, e o público estava ocioso. "Quando as pessoas se veem em uma crise, procuram refúgio nos livros também. Hoje em dia a autoajuda lidera as vendas", explicou.
Apesar da tecnologia, ela acredita que o livro físico traz uma credibilidade que o digital ainda não possui. "As pessoas já estão procurando o Vade Mecum com a reforma trabalhista, mesmo com tanto conteúdo virtual".
Para os clientes que não encontram os exemplares que procuram, Soraya afirma indicar alfarrábios da cidade. "O alfarrábio só existe por conta das livrarias, e realiza um trabalho muito importante. Tem edições antigas que só serão encontradas lá, e indicamos isso ao cliente", coloca a gerente, que reforça o trabalho de abastecimento da livraria. "Cerca de 80 editoras abastecem a loja diariamente. Comercialmente, é uma megaoperação por trás para atualizar a loja e trazer os livros mais vendidos do mundo", disse.