O sol escaldante às margens da BR-101 castiga o "bandeirinha" Wellington Gomes dos Santos, de 25 anos. Com uma camisa no rosto, ele tenta se proteger da poeira levantada pelos veículos que cortam as obras de duplicação da rodovia em Alagoas. Ao mesmo tempo em que controla o tráfego, precisa ter atenção para conseguir se esquivar das máquinas que circulam bem ao lado. Fundamentais para o andamento dos serviços e a segurança dos condutores, esses funcionários têm sido submetidos a condições precárias de trabalho, largados à própria sorte.
"É preciso atenção nos carros e nas máquinas. Qualquer erro, por menor que seja, provoca um acidente. E nem sempre os motoristas respeitam a ordem de parada. Muitos invadem a contramão e até avançam sobre a gente", diz o operador que até bem pouco tempo estava desempregado e que atua na profissão há nove meses.
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Não só os carros ameaçam os controladores. Apesar da resistência em falar, eles admitem que faltam equipamentos como máscaras e protetor solar, além de abrigos para que possam fazer uma refeição no horário de intervalo e até banheiros químicos. O jeito é improvisar: camisas cobrem o rosto e as sombras de placas ou árvores se transformam em pontos de descanso; o canavial é o local escolhido para que possam fazer as necessidades fisiológicas.
"A camisa protege o rosto do sol, da poeira e do cheiro forte do asfalto. Também protege de pedras soltas que os carros lançam. Se a gente não ficar atento, acaba atingido. No almoço, como não tem abrigo, a gente procura uma árvore ou uma placa. Algum local que faça sombra para descansar", diz o controlador Emerson de Lima.

De acordo com ele, o serviço em si não é "pesado", mas o fato de ficar em pé durante longas horas e exposto ao sol escaldante ou chuva intensa o dia inteiro faz com que se ele se sinta "cansado" e "sem ânimo" ao chegar em casa. O trabalho tem início às 7h, quando chega ao canteiro de obras, e se estende até as 17h, de segunda a sábado.
Sem banheiros, os controladores de tráfego precisam improvisar e segurar ao máximo a vontade de urinar. Isso porque, além de serem obrigados a entrar no canavial, eles não podem deixar o posto de trabalho por muito tempo. Assim, passam longas horas à espera de uma oportunidade.
"Nos dias de trânsito intenso, nós não temos como ir, porque podemos acabar provocando um acidente. Abandonar o posto é algo sério. Como não tem ninguém para nos render, a gente acaba segurando a vontade. Só vai quando é o jeito mesmo", explica José Ilton de Farias, de 46 anos, que trabalha há quatro como controlador.

TRABALHADORES SÃO TERCEIRIZADOS
Os trabalhadores que atuam em obras de rodovias em Alagoas são terceirizados e não sabem a quem recorrer na hora de pedir melhorias. De acordo com Rodrigo Alencar, procurador regional do trabalho da 19ª Região, esse fato pode ser apontado como um dos motivos para tamanha negligência e desrespeito às leis.
"A terceirização é o principal problema do mundo do trabalho hoje, pois é sinônimo de precarização. As pessoas submetidas a ela ganham menos, trabalham mais e sofrem mais acidentes de trabalho porque as empresas que contratam se esquivam das responsabilidades. A maioria das mortes de trabalhadores registrada em Alagoas nos últimos anos teve como vítimas funcionários terceirizados", pontua.
Ele ressalta ainda que as pessoas que atuam no setor de construção civil pesada - como é caracterizado o serviço nas rodovias - precisam encontrar um ambiente digno para o desempenho das atividades. Além disso, têm direito a pausas durante o expediente e ao recebimento de bloqueador solar. "Esses direitos não podem ser negados a eles", enfatiza o procurador.

Rodrigo Alencar ainda fala que, diante das informações repassadas pela reportagem, um inquérito deve ser instaurado para apurar as condições de trabalho nas rodovias de Alagoas. "Está tudo errado, sem dúvida, e devemos instaurar um inquérito para apurar isso", destacou.
O Ministério Público do Trabalho (MPT) não tem dados específicos sobre denúncias relacionadas ao ambiente de trabalho nas rodovias, mas não há dúvidas de que as condições precárias às quais esses trabalhadores são expostos se refletem no número de ações impetradas pelo órgão. De 2015 a 2017, foram recebidas 526 denúncias por irregularidades em ambientes de trabalho em Alagoas, sendo 226 em 2015; 212 em 2016 e 88 em 2017 - de janeiro até agora. Desse total, 425 estão em fase de inquérito civil.
De acordo com o órgão, as denúncias estão relacionadas a irregularidades na utilização de EPIs, atividades e operações perigosas, condições sanitárias e de conforto no trabalho, além de acidentes de trabalho, Programas Internos de Proteção à Saúde e Segurança dos Trabalhadores, doenças ocupacionais, atividades e operações insalubres.

DER E DNIT SE EXIMEM DA RESPONSABILIDADE
Embora possam ser responsabilizados por associação, o Departamento de Estradas de Rodagens (DER) e o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) alegam que não são responsáveis pelas condições de trabalho oferecidas pelas empresas tercerizadas para os seus respectivos colaboradores.
De acordo com os órgãos, cabem a eles apenas a análise do projeto e a fiscalização da execução das obras, ou seja, se a construção está de acordo com o que foi previamente acordado entre as partes e considerado em licitação.
"O Ministério do Trabalho e Emprego e o Ministério Público do Trabalho são os responsáveis pelas fiscalizações em campo. Inclusive, eles fazem abordagens com frequência. Nosso papel é apenas acompanhar a entrega do que foi acordado", diz Roosevelt Patriota, superintendente do DNIT em Alagoas.

Conforme o DNIT, atualmente, há duas grandes obras em andamento em rodovias federais que cortam o estado. A primeira, na BR-101, contempla a duplicação de 46 quilômetros. Já a segunda, na BR-316, contempla a pavimentação de 49 quilômetros na divisa entre Alagoas e Pernambuco, no trecho entre Carié e Inajá.
Patriota ressalta que, embora seja responsabilidade das empresas contratadas o fornecimento de equipamentos de proteção individual, ele desconhece a falta de qualquer item e diz que, durante visitas técnicas aos canteiros de obras, os fiscais do DNIT constatam a presença dos artigos.
O DER informou que há 13 obras em andamento no estado atualmente e que os trabalhadores pertencem a empresas terceirizadas vencedoras de licitações. O número de profissionais não foi informado pelo órgão.
