Imagem
Menu lateral
Imagem
compartilhar no whatsapp compartilhar no whatsapp compartilhar no facebook compartilhar no linkedin
copiar Copiado!
ver no google news

Ouça o artigo

Compartilhe

HOME > notícias > MUNDO

Só 5 dos 346 distritos do Chile votaram contra nova Constituição

Particularmente três destas comunas refletem o que motivou o plebiscito e a eclosão social que se vê há pelo um ano no país: a desigualdade.

Com fogos de artifício, bandeiras e a esperança em um novo começo, dezenas de milhares de chilenos festejaram nas ruas o resultados do histórico plebiscito realizado no domingo (25).

Uma esmagadora maioria de quase 80% dos eleitores votaram no "aprovo", que permitirá a substituição da Constituição herdada da ditadura comandada por Augusto Pinochet.

Mas em cinco dos 346 distritos do país, o sentimento predominante depois do domingo não deve ter sido de alegria, já que neles ? Vitacura, Las Condes e Lo Barnechea, todas na região metropolitana de Santiago; Colchane (Tarapacá) e La Antártica (Magallanes) ? a maioria dos eleitores votou para manter o status quo.

Mas o que os cinco distritos onde o "rejeito" venceu têm em comum?

"Dos cinco, dois são muito particulares", explica Carmen Le Foulon, pesquisadora do Centro de Estudos Políticos, à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC.

"A Antártica é uma base científica [com a presença do exército] e o número de votos é muito pequeno: votaram 31 pessoas. Já Colchane faz fronteira com a Bolívia e também é pequena (teve 505 votos)", diz Le Foulon.

Os outros três, no entanto, são muito mais significativos, concordam os especialistas consultados pela BBC News Mundo.

Riqueza e educação

Para começar, Las Condes, Vitacura e Lo Barnechea pertencem à região metropolitana de Santiago, a capital chilena.
As três concentram mais de 400.000 habitantes (de um total de 7,1 milhões em toda a região e 18,7 milhões no país) e estão localizadas lado a lado, no nordeste da cidade.
Mas não é só isso.
"Elas são as que concentram a maior riqueza e o maior nível educacional", diz Rodrigo Pérez Silva, professor assistente da Universidad Mayor e pesquisador em economia urbana.
"Essa votação reflete essa divisão. Não só que 80% do país é a favor de fazer mudanças e há uma parcela de 20% que resiste, mas além disso: esse voto contrário está superconcentrado em uma única parte do país, em três comunas da região metropolitana onde estão o poder político e econômico. Onde estão as elites."
Uma única exceção a esse padrão homogeneizado é Lo Barnechea, dentro do qual há grandes desigualdades socioeconômicas ? com partes muito ricas, tal como La Dehesa, e outras muito pobres, como Cerro 18.
No total, esses três distritos somaram 166.544 votos "rejeito", compondo 10,2% segundo o cômputo final do Serviço Eleitoral do Chile.
'Há dois universos aqui'
A atual Constituição do Chile foi aprovada em 1980 e para muitos está na base das desigualdades do país, promovendo a privatização dos serviços básicos e atribuindo ao Estado um papel residual.
O triunfo do "aprovo" é interpretado por muitos como a vitória das reivindicações cidadãs que eclodiram nos protestos de outubro de 2019 e que desde então pedem mudanças estruturais e profundas.
A própria convocação de um plebiscito foi anunciada em novembro de 2019, após 28 dias de grandes protestos em um dos países mais desiguais da América Latina.
E na capital, Santiago, essa desigualdade se traduz em uma inegável segregação social e geográfica.
"Há dois universos aqui. Tudo funciona de maneira diferente e as pessoas não se misturam. Ninguém quer fazer muitas mudanças", disse à BBC News Mundo S.L., uma mulher de 40 anos que nasceu, foi educada e vive em Vitacura.
Nesta comuna, o percentual de pessoas em lares sem condições básicas, como rede de esgoto e água, é de 0,5%, contra 8,3% em média na região de Santiago ou 14,1% em todo o país, segundo dados compilados pela Biblioteca do Congresso Nacional do Chile.
Se falarmos da pobreza "multidimensional" ? que considera diferentes problemas de acesso a direitos, como na saúde e educação ?, os dados são ainda mais contundentes: 3,48% contra a média de 20,7% no Chile.
E ainda que a moradora de Vitacura entrevistada pela BBC News Mundo tenha ela votado em "aprovo", ela teve dúvidas e percebeu que em seu entorno social e profissional todos votaram contra uma nova Constituição.
"Hesitei porque comecei a ver o que aconteceu em outros processos constituintes da América do Sul. Nenhum país melhorou depois", explica.
Segundo ela, nestas comunas existe o receio do discurso de refundação, da "perda de privilégios e da incerteza". Além disso, as mudanças foram vinculadas à violência ocorrida nas manifestações.
"Destruíram a cidade. Talvez fosse necessário, mas agora continuamos com manifestações violentas e panelaços todos os dias."
Ela destaca também a preocupação das pessoas que conhece com mudanças no regime de "propriedade privada e do sistema tributário, que tem a ver com as aposentadorias".
"Não tem tanto a ver com esquerda e direita, mas com propriedade e riqueza", conclui.
Com isso, concorda Patricio Fernández, jornalista e autor de Sobre la marcha, livro que escreveu após observar de perto a eclosão social que se iniciou em 2019.
"Isso é politicamente transversal", disse Fernández à BBC News Mundo.
"A eclosão social tem muitas leituras e ingredientes, mas eu diria que há uma coisa muito evidente ? a manifestação ou ilusão de uma cidadania emergente que questiona sua relação justamente com as elites, com os governantes."
E, segundo Pérez Silva, os resultados do plebiscito são uma "interpelação" justamente à elite que se recusa a perder seus privilégios para que haja uma "redistribuição de riquezas, oportunidades, educação, saúde, pensões etc. ".
Mas para o engenheiro eletrônico Andrés Camus, que mora em Vitacura e votou no "rejeito", mudar a Constituição "não é um problema no Chile".
"Ninguém fala sobre esse assunto", afirma.
"Estamos muito melhores do que em 1975. Somos os primeiros da América Latina e estamos bem", afirma.
Um estudo recente realizado pela organização Círculo de Directores e pela empresa de análise de dados Unholster indicou que pessoas consideradas parte da "elite" do país ? acadêmicos, empresários, figuras públicas ?subestimam as desigualdades econômicas e de oportunidades que as separam das classes mais baixas.
"Membros da elite pensavam que pessoas das comunas pobres ou médias tinham plano de saúde ? e não há nada mais longe da realidade do que isso", apontou Antonio Díaz-Araujo, gerente geral da Unholster.
Esse padrão também foi observado em questões como valores de propriedade ou níveis de educação.
"E os votos só confirmam que a distância (entre a elite e o resto da população) é brutal", finaliza Díaz-Araujo.

Tags