Kaillany Cardoso tinha certeza de que estaria em Paris para os Jogos Olímpicos e não poupou esforços para fazê-lo. Aos 20 anos, ela é uma das atletas convidadas para o programa Vivência Olímpica, do Comitê Olímpico do Brasil (COB), que reúne promessas do esporte brasileiro e lhes dá a chance de experimentar a competição.
A judoca recebeu a primeira convocação olímpica no começo do ano, como parte da equipe de apoio às atletas que disputarão o torneio. Ela ainda tentou uma vaga direta para o torneio, mas não chegou à pontuação necessária —Kaillany é a 1ª no ranking mundial júnior e a 66ª no ranking sênior. Ela compete na categoria médio (70kg).
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O convite para o Vivência Olímpica foi uma surpresa. Ela estava competindo em Praga, na República Tcheca, quando o técnico da seleção disse que tinha de contar a ela "uma coisa". Ele mostrou uma reportagem de que ela havia sido selecionada para o programa, mas a ficha não caiu. Kaillany pegou a medalha de bronze da Copa Europeia Sub-21 e foi para o hotel como se ainda vivesse um dia normal.
"Eu não tinha entendido direito", diz, aos risos. "Depois, quando chegamos ao hotel, tinha uma reunião preparada com os gerentes do time Brasil, estavam os técnicos do judô também. E aí foi a surpresa mesmo. Teve uma chamada de vídeo, com o convite sendo feito pela Rebeca Andrade [da ginástica] e a Bia Ferreira [do boxe]. Eu só chorava e falava 'obrigada, obrigada, obrigada'. Eu nem consegui fazer muito drama para contar aos meus pais. Já falei logo, chorando também, sem muita cerimônia", conta.
Kaillany é filha única e nasceu em São Vicente, no interior de São Paulo. Ela se mudou para Belo Horizonte aos 17 anos para treinar no Minas Tênis Clube, que defende até hoje. Seus pais se mudaram juntos e compartilham do sonho da filha diariamente. Mônica, a mãe, inclusive é quem faz uma éspecie de assessoria para a filha, marcando as conversas com a jovem promessa do esporte brasileiro —e estava ao lado durante toda a ligação, sussurrando um detalhe ou outro que a judoca deixava escapar.
"Eu comecei o judô quando eu tinha 3 anos e meio. Na verdade, eu comecei no balé, porque eu tinha um problema de saúde, respiratório. O médico disse que eu tinha que fazer algum esporte e minha mãe me colocou no balé, mas eu não gostava nem um pouquinho. Tínhamos vizinhas que praticavam o judô e aí eu ficava imitando elas, assim, na pontinha do tatame", lembra.
"Eu vou assistir a competição por equipes [do judô]. Eu acho que é até melhor, porque é onde estão todos os atletas. Vamos assistir a outros esportes também, como o vôlei, canoagem, atletismo e tiro com arco. Eu queria muito ver a abertura, mas vamos chegar alguns dias depois. De ponto turístico, quero ver coisas culturais, como o Museu do Louvre, por exemplo. Mas eu quero é mesmo ver o máximo de esportes possível, conversar com atletas de alto nível e saber como é essa experiência para eles."
A judoca não sente a pressão de ser uma das apostas de medalha para Los Angeles, em 2028 em um esporte em que o Brasil tradicionalmente conquista medalhas —em Paris, o país já garantiu uma prata (Willian Lima) e um bronze (Larissa Pimenta). Kaillany reconhece que existem pontos a melhorar, mas que existe um ciclo longo e tempo para fazê-lo, com muito treino e dedicação.
"Claro que já estou na contagem regressiva, porque já existe essa contagem mesmo", brinca. "Eu sei que faltam cerca de mil dias por aí, um pouquinho mais de mil dias. É muito tempo, mas passa bem rápido. É um período bom para aperfeiçoar alguns elementos, amadurecer. Vou fazer de tudo para estar lá e para honrar essa confiança que está sendo colocada em mim agora."
Ela recebeu a faixa preta no fim de 2020, num ano de muitas dificuldades por conta da pandemia da Covid-19. Coincidiram vários eventos importantes: a seleção para o Minas, a faixa preta, a despedida da equipe de treinamento, dos amigos... Foram somente a jovem, seus pais e a cachorrinha Isadora, uma pincher de 13 anos de idade, para abrir os novos caminhos que somente investir em seu sonho poderia proporcionar.
A rotina da judoca é bem corrida. Ela faz dois treinos pela manhã e um à tarde, sempre em competências diferentes, de segunda a sábado. À noite, nos dias de semana, vai para a faculdade. Kaillany cursa nutrição e se forma no próximo ano. Por conta dos torneios que já participou, conheceu Paris brevemente e conseguiu ver a Torre Eiffel de perto. Agora, apesar de ter mais tempo, os pontos turísticos se tornam secundários.
O programa Vivência Olímpica foi implementado pela primeira vez durante os Jogos de Londres 2012, levando 16 atletas para a Inglaterra. Nas Olimpíadas do Rio 2016, o número de participantes aumentou para 20.
Rebeca Andrade, da ginástica artística, Martine Grael, da vela, Isaquias Queiroz, da canoagem velocidade, Beatriz Ferreira, do boxe, Felipe Wu, do tiro esportivo, e Thiago Braz, do salto com vara, são exemplos de atletas que passaram pelo programa e conquistaram medalhas.
Hugo Calderano, do tênis de mesa, e Duda Lisboa e Ana Patrícia, do vôlei de praia, que são candidatas a medalhas em Paris-2024, também tiveram a experiência.