Pelo segundo ano consecutivo, o Red Bull Bragantino publicou uma versão incompleta de suas demonstrações financeiras. O balanço publicado possui apenas cinco páginas. Ele não está acompanhado do parecer da auditoria externa, nem das notas explicativas.
A ocultação de várias páginas impede que torcida e mercado tenham conhecimento sobre o funcionamento do clube. Não há detalhamento para receitas e despesas, ativos e passivos. Na primeira divisão brasileira, trata-se do único clube a adotar tal prática em relação à transparência.
Leia também
Uma das informações escondidas está no endividamento. O balanço incompleto aponta para um aumento abrupto das dívidas com "partes relacionadas" – de R$ 27 milhões em 2019 para R$ 127 milhões em 2020. A omissão da nota explicativa impede que se saiba a origem do dinheiro.
Ao esconder a maior parte das demonstrações, a Red Bull também impede que se tenha conhecimento sobre as circunstâncias da "compra" do Bragantino. A empresa de energéticos assumiu o controle do clube, que era uma associação civil sem fins lucrativos, em abril de 2019.
O que diz a legislação brasileira
A publicação do balanço é uma obrigatoriedade imposta a entidades esportivas pela Lei Pelé em seu artigo 46-A. De acordo com o texto, todas as entidades envolvidas em competições com atletas profissionais, independentemente da estrutura jurídica (associação ou empresa), devem publicar as demonstrações até 30 de abril do ano seguinte.
I - elaborar suas demonstrações financeiras, separadamente por atividade econômica, de modo distinto das atividades recreativas e sociais, nos termos da lei e de acordo com os padrões e critérios estabelecidos pelo Conselho Federal de Contabilidade, e, após terem sido submetidas a auditoria independente, providenciar sua publicação até o último dia útil do mês de abril do ano subsequente, por período não inferior a 3 (três) meses, em sítio eletrônico próprio e da respectiva entidade de administração ou liga desportiva – diz a Lei Pelé.
O Red Bull Bragantino se apoia em uma interpretação singular da legislação para omitir a maior parte do balanço. Seus advogados entendem que a Lei Pelé exige a publicação das demonstrações, porém não especifica quais partes precisam ser levadas a público.
Os dirigentes do clube também se movimentaram para garantir que a empresa não seja enquadrada como "grande porte" – algo que obrigaria a publicação do balanço e das demonstrações financeiras no Diário Oficial do Estado e em jornal de grande circulação.
Em documento registrado na Junta Comercial do Estado de São Paulo (Jucesp), datado de 12 de março de 2021, os diretores Marcelo Ferreira e Thiago Scuro e o contador José Alexandre Kirstein declaram que o clube está dispensado de publicar as demonstrações financeiras.
Empresas de grande porte são aquelas cujo faturamento anual está acima de R$ 300 milhões. O Red Bull Bragantino registrou em seu balanço referente a 2020 uma receita líquida de R$ 145 milhões.
Nota oficial com piada e erro
Na quarta-feira, o Red Bull Bragantino publicou em seu site e nas redes sociais uma nota a respeito da publicação do balanço incompleto. O clube afirmou que cumpre a legislação. No texto, os dirigentes fizeram piada sobre a transparência que o documento requer.
Notas explicativas fazem parte das demonstrações financeiras. Diferente do que a direção quer fazer crer, porém, nenhum balanço contém salários individuais de jogadores, nem seus gastos pessoais.
“Mas e as notas explicativas? E o dinheiro recebido? E o salário do Claudinho? E quanto o Julio Cesar gasta no cabeleireiro?”. Esse tipo de informação gera curiosidade em bastante gente, mas é nossa opção estratégica não divulgar por uma série de motivos – diz o Bragantino na nota.
Em outro trecho, os responsáveis pela empresa disseram que as legislações são diferentes em cada país. O New York Red Bulls (Estados Unidos) e o RB Leipzig (Alemanha), de acordo com eles, não publicam seus balanços por não haver obrigatoriedade nas respectivas legislações.
A afirmação está parcialmente incorreta. Nos Estados Unidos, empresas comuns não são obrigadas a publicar balanços. Na Alemanha, no entanto, todas as demonstrações financeiras do RB Leipzig (que pertence ao mesmo conglomerado) estão no Diário Oficial alemão.
Basta pesquisar pelo nome da empresa (RasenBallsport Leipzig GmbH) para ter acesso aos balanços. A Red Bull alemã publica tudo: receitas e despesas, ativos e passivos, notas explicativas e parecer da auditoria externa. Tudo o que a operação no Brasil tem escondido há dois anos.
Leia, a seguir, a nota oficial na íntegra:
Nós do Red Bull Bragantino sabemos que divulgação de balanços financeiros sempre geram dúvidas nas pessoas. Ver aqueles números, tabelas, parênteses aqui, termos técnicos ali, não é fácil. Então gostaríamos de esclarecer alguns pontos.
A lei prevê a divulgação do balanço financeiro auditado por uma empresa independente. Fizemos isso? Sim! O documento está em nosso site oficial (caso esteja difícil de achar, está lá embaixo, ao lado de “Termos de Uso”) e foi auditado pela BDO. O do Red Bull Brasil também está lá e auditado pela Ernst Young.
“Mas e as notas explicativas? E o dinheiro recebido? E o salário do Claudinho? E quanto o Julio Cesar gasta no cabeleireiro?”. Esse tipo de informação gera curiosidade em bastante gente, mas é nossa opção estratégica não divulgar por uma série de motivos.
O New York Red Bulls e o RB Leipzig divulgam as mesmas informações? Não. A legislação e exigência de cada país são diferentes. Se amanhã precisarmos informar quanto gastamos em salários, impostos (olha que não é pouco) ou em premiações para o Massa Bruta e o Toro Loko, faremos com toda a transparência, como todos os nossos movimentos.
Desde o começo de nossa operação, arcamos com todos os gastos e exigências de um clube de futebol exigidos pelas leis, seja ele associativo ou uma limitada. É nossa obrigação fazer isso com eficiência e seriedade.
App Gazeta
Confira notícias no app, ouça a rádio, leia a edição digital e acesse outros recursos
