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HOME > esportes > NACIONAL

Mulheres negras ainda são minoria em cargos de comando no futebol feminino

Iranduba quase foi treinado por Renata Koki interinamente, mas auxiliar diz que não esteve à frente da equipe a pedido de dirigente

Pretinha, Formiga, Maycon, Michael Jackson, Marta. Quando o assunto é atletas negras que foram e são referência dentro de campo, não faltam nomes de peso. Nos cargos de poder fora dos gramados, no entanto, elas não recebem tantas chances de mostrar seu brilho. As poucas oportunidades fazem com que a presença de mulheres pretas e pardas ainda seja muito pequena em cargos de comando no futebol feminino brasileiro.

No Campeonato Brasileiro Série A1, nenhum clube contou com técnica negra em 2020. A oportunidade de mudança desse quadro, mesmo que interinamente, veio na última rodada da primeira fase da competição. Em um momento em que o Iranduba contava com um "empréstimo" de jogadoras e comissão do rival 3B, os técnicos João Cavalo e Paulo Galvão não poderiam estar à beira do campo diante do Palmeiras. A herdeira natural da vaga seria a ex-jogadora da Seleção e, hoje, auxiliar Renata Koki. No entanto, não foi o que aconteceu.

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? Não conseguimos quebrar esse "tabu" de mulheres negras no comando de uma equipe na serie A1. embora meu nome tenha aparecido no telão como a técnica, quem comandou o time, a pedido do presidente do 3B, foi o preparador físico. E nem sequer da preleção me deixou participar. Foi um dia muito difícil. Não sei se acharam que eu não tinha capacidade por ser uma mulher. Gostaria de falar somente coisas boas e estar feliz por ter sido a primeira mulher negra a comandar uma equipe em Série A1, mas infelizmente ainda não aconteceu ? desabafa.

A reportagem entrou em contato com o presidente do 3B, Bosco Brasil Bindá, que afirmou que a decisão de não deixar Koki no comando do time durante a partida contra o Palmeiras foi tomada em comum acordo com a auxiliar. Segundo ele, isso aconteceu porque Renata Koki já não continuaria na comissão para a temporada seguinte. O nome dela, no entanto, foi registrado na súmula.

Mestre em Serviço Social pela PUC-SP e pesquisadora do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, Roberta Pereira da Silva explica que a ausência de negros em cargos de liderança é uma herança da colonização e da escravidão no Brasil. Segundo ela, a manutenção desse sistema, que considerava o corpo negro uma mercadoria, dependia de um processo de disseminação da ideia de que negros estão ligados à irracionalidade, enquanto os brancos corresponderiam à razão. Essa lógica racista ainda estrutura a sociedade.

? Isso cria subjetividades presentes até os dias atuais, ou seja, mulheres negras são constantemente ligadas à sexualidade e ao trabalho braçal, logo seria impensável que elas estivessem ou estejam em cargos de comando. O racismo institucional impede sistematicamente que as mulheres estejam em local de destaque, já que há uma pré-concepção da capacidade delas ? diz Roberta.

Professora de Direito e coordenadora do curso sobre Diversidade e Inclusão na PUC-Rio, Ana Carolina Mattoso aponta que há concepções de racismo que vão muito além das ofensas e injúrias raciais. É o caso do racismo institucional, a discriminação que se manifesta em instituições e organizações, afetando as oportunidades aos diferentes segmentos da população a partir da cor da pele.

- Há um pensamento muito enraizado, pensando em sociedade brasileira, segundo o qual não existe o racismo, que os problemas enfrentados pela população negra são pela questão social, não racial. É o mito da democracia racial. Ele está no inconsciente, na mídia, etc. O movimento negro buscou quebrar esse mito com a denúncia de que é uma falácia. O racismo está presente na sociedade de forma contundente em muitos momentos - afirma Ana Carolina.

Roberta acrescenta que uma sociedade racista e machista é ainda mais cruel com mulheres negras, especialmente em um meio tão sexista quanto o futebol.

- Não é possível colocar uma hierarquia entre as opressões, contudo, as mulheres no futebol certamente sofrem uma dupla discriminação. E no que se refere as mulheres e homens negros, sua intelectualidade e sua capacidade de comando sempre serão colocados à prova. Logo, o futebol reatualiza diariamente a lógica de atletas como "pés" de obra - diz a pesquisadora do Observatório da Discriminação Racial no Futebol.

Há um grande exemplo de mulher negra em posição de poder no futebol feminino brasileiro. Aline Pellegrino é a coordenadora de competições da CBF. Ela destaca que é preciso dar oportunidades para que as mulheres, especialmente as negras, alcancem posições como a dela.

- Ao longo da minha trajetória, pude estudar, usar o futebol como ferramenta de transformação para a capacitação acadêmica, e foram ações afirmativas e bolsas de atleta que abriram portas para esse caminho. Então, acredito que em 2020, diante de tantas possibilidades, tantas mulheres, mulheres negras, que estão se dedicando e correndo atrás dessa formação, a pergunta que fica é: quão dispostos estamos, enquanto cadeia produtiva do esporte, a oportunizar toda essa geração de profissionais qualificadas? O que quero dizer com essa questão é que a responsabilidade é de todos nós, enquanto sociedade, de passar a mensagem: você também pode sonhar, seus objetivos também são válidos, e aqui as portas estão abertas - diz Aline.

Os passos efetivos para a mudança vão além da representatividade. Ana Carolina Mattoso destaca a importância da proporcionalidade, afirmando que "ter apenas um negro em determinados espaços de poder, quando temos 56% da população brasileira formada por negros, não é suficiente". Ela destaca a necessidade de políticas para equiparar esses números - as mulheres negras representam mais de um quarto da população brasileira.

Roberta Pereira da Silva reforça a ideia de políticas de reparação de desigualdades. Ela destaca que é preciso ir além da discussão sobre haver ou não racismo no Brasil, uma vez que esse crime é recorrente no país. A pesquisadora propõe iniciativas que possam mudar as estruturas e combater a desigualdade.

- Além de identificar e punir o racismo, deveríamos ter programas de formação continuada nos clubes, federações, imprensa e outros envolvidos com a prática do futebol, a implementação da política de cotas raciais nesses espaços, a criação de canais de recebimento de denúncias e acolhimento para profissionais negros - finaliza Roberta.

Racismo é crime previsto na Lei nº 7.716/1989, enquanto a injúria racial aparece no parágrafo terceiro do artigo 140 do Código Penal. Clique aqui para saber como denunciar.

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