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De repente Bolt: como a amizade com o tempo molda a lenda olímpica

Enquanto os outros desafiam o tempo, tricampeão olímpico o controla: "Mostrei ao mundo que sou o melhor"

Eles, inocentes que são, nem percebem a grande cilada que é tentar vencer o tempo. Correm, correm e correm - como se o tempo fosse inimigo. Esbaforam-se. Maltratam-se. De tão apressados, nem olham para o lado, nem conseguem reparar como Usain Bolt faz exatamente o contrário: como ele afaga o instante, alia-se ao agora, embala o já. O tiquetaquear, essa entidade que apavora os mortais, nina as corridas de Bolt - o tricampeão olímpico que injetou 9s81 de insanidade no Engenhão na noite deste domingo para vencer mais uma vez os 100m.

É só reparar bem na expressão de Bolt antes da largada. Ele escancara a tranquilidade de quem sabe que tem no tempo um ombro amigo. Enquanto Justin Gatlin mostra o desespero de quem só quer que aquilo acabe logo, enquanto Yohan Blake mostra a agonia de quem não quer que aquilo comece jamais, Usain Bolt é a personificação de quem sabe que chegou a hora - que o tempo, soberano, escolheu aquele pedacinho da eternidade para ele. 

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O tempo é uma sucessão de "de repentes", e de repente Usain Bolt surgiu na pista do Engenhão às 22h21 deste 14 de agosto. Todo sorrisos, abriu os braços para aconchegar o público que o aplaudia como se ele fosse alguma aparição mística - o Chronos em pessoa. Sem chance: não era possível que aquele cara fosse correr a prova mais importante do atletismo mundial dali a quatro minutos. Quatro minutos! Mais parecia um homem indo comprar o jornal na banca em uma manhã preguiçosa de outono. Não tinha pressa alguma.

Bolt se posicionou, ajeitou a plataforma de largada e ensaiou um pique até o meio da pista. Chegando lá, sorriu, acenou ao público, brincou. Dava vontade de ir até ele, sacudi-lo pelos ombros e dizer: "Meu velho, acorda! A prova vai começar! Faltam três minutos!"

Que tolice seria. Porque o grande lance de Bolt, em um evento dessa imponência, é que seu domínio de tempo vai muito além dos menos de 10s que ele leva para percorrer aqueles 100m. Ele sabe o que fazer em cada momento - antes, durante, depois. Ele não manja apenas como agir: saca como ninguém quando agir. 

De tão amigos que são, Bolt e o tempo pregam peças em nós. Ver aquela largada às 22h25, observar aqueles primeiros 60 ou 70 metros, aqueles seis ou sete segundos iniciais, era o convite a uma tentação: achar que Bolt perderia. Justin Gatlin disparou com força, tomou a dianteira, arrancou para uma linha de chegada que se avizinhava. Seria possível?

Quanto engano. Bolt sabe sua hora. Nas passadas finais, acelerou para o ouro com precisão matemática - como quem calcula x e y para chegar a z. Cruzou a linha com uma calma que não combina com a proximidade de Gatlin, colado com 9s89. De repente, tinha se tornado único: o primeiro tricampeão olímpico dos 100m.

- Eu já era uma lenda antes. Isso não era uma dúvida. A questão era só melhorar, aumentar minhas marcas. Estou orgulhoso de mim. Estou muito feliz por mostrar ao mundo que sou o melhor - disse ele a um aglomerado de jornalistas de todos os cantos do planeta.

A prova era o ponto central da noite, mas ainda havia uma cerimônia a cumprir depois dela. Nos dez minutos seguintes, Bolt deu a volta olímpica no estádio, saudado com euforia pelo público. O tempo parecia calculado direitinho: uma volta completa, dez minutos, até ele parar, chamar o olhar de todos para si e fazer o gesto do raio - sua marca registrada. 

O curioso é que o domínio de tempo e distância são uma marca da vida de Bolt desde pequeno. Quando criança, ele não podia estar fora de casa quando seu pai chegasse do trabalho - levaria uma bronca danada se isso acontecesse. Mas o problema é que o moleque amava ficar correndo pela vizinhança. Aí ele estabeleceu uma estratégia: ia para a rua, mas ficava com os ouvidos alertas para o barulho da motocicleta do pai. Ao escutá-la, partia em disparada: sabia com precisão quanto tempo precisava para chegar em casa com antecedência suficiente para não ser flagrado.

Havia vezes, porém, em que ele ia mais longe, e de lá não tinha como ouvir o barulho. Bolt, então, criou outra tática: passou a levar junto seu cachorro, chamado Brownie, com audição bem melhor. Quando o cão repentinamente erguia as orelhas, era sinal de que o chefe da família estava chegando. E Bolt, novamente dominando o tempo necessário, partia voando para casa. 

Ele também sabia, em 2009, que precisava acelerar sua BMW a 110 km/h para chegar a tempo de ver o jogo do Manchester United pela televisão. Quando o carro capotou três vezes, sentiu a ironia da presença da morte atrelada à velocidade. Mas sobreviveu. Os únicos ferimentos foram os espinhos cravados nos pés - que, pelo visto, não chegaram a arruinar sua carreira...

Bolt começou a correr por um bom motivo: por comida. Se ganhasse de um colega de escola, levaria de presente um almoço jamaicano completo: frango, batata doce, arroz e ervilhas. Foi lá e correu o suficiente para ganhar. Já adulto, ouvia insistências para correr os 400m - distância que detestava. Queria mesmo era tentar os 100m como complemento para os 200m. Aí combinou com os treinadores: se conseguisse fazer a distância curta em menos de 10s30, estaria liberado para seguir nela; se não conseguisse, acataria a sugestão dos 400m. Foi lá e fez 10s03. Dominou o tempo para fazer aquilo que mais gostava. Aliou-se ao tempo.

O controle de Bolt sobre o relógio se mostra mais impressionante quando ele cruza a linha de chegada. Ele entra em uma redoma de controle absoluto. Nada o abala - nada o apressa. Em Londres 2012, ele atingiu a marca final brincando. Poderia ter acelerado mais. Mas para quê? Para desafiar o tempo? Seu treinador, indignado, o chamou de amador ainda na pista, logo depois de Bolt se referendar como o maior velocista do planeta. Era uma bronca, mas que estava coberta de simbolismo. Ao não atacar o relógio, o jamaicano era justamente um amador - no sentido literal da palavra: daquele que ama o que faz; que se diverte.

E agora Bolt acha que sua hora acabou. Ele já disse que o Rio é sua despedida. Não pretende estar em Tóquio 2020. Parceiro do tempo, quer parar no auge. Afinal, a idade chega até para ele - como ficará comprovado no próximo domingo, dia de seu aniversário de 30 anos. E, em mais uma união com o tempo, também o dia em que terminará a última Olimpíada de sua vida.

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