
“E se comprássemos um filme para distribuir no Brasil?”. Assim, como quem não quer nada, o direito de reprodução do filme japonês Sol de Inverno, do diretor Hiroshi Okuyama, foi parar nas mãos da dupla Chico Fireman, jornalista alagoano, e Michel Simões, que trabalha com comércio exterior. Unidos pela cinefilia, os amigos, há mais de duas décadas, fundaram a distribuidora Michiko Filmes. Sol de Inverno foi o primeiro título adquirido pela empresa, com estreia no dia 23 de janeiro no Cine Arte Pajuçara.
Uma cria das telas do Cine Arte Pajuçara, Chico Fireman conta como surgiu sua cinefilia. Foi lá, também, que conheceu Michel, com quem mantém uma amizade de 20 anos e compartilhou blogs de cinema, além de integrar um dos primeiros podcasts de cinema do país, Cinema na Varanda, por sete anos.
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“O Arte Pajuçara foi o primeiro refúgio da minha cinefilia. O cinema que eu mais frequentei na minha juventude e onde descobri dezenas de filmes e cineastas. De David Lynch a Krzysztof Kieslowski, vi clássicos da Nouvelle Vague, vi o cinema brasileiro renascendo com Carlota Joaquina. Ter o primeiro filme que estou distribuindo nesse ‘meu refúgio’ é uma emoção que não consigo descrever. É um ciclo se fechando para outro se abrir”, diz.
O filme estreou no Cine Arte na última quinta-feira, 23, e terá uma última sessão nesta terça-feira, às 17h, na sala 2. Apesar de ser o primeiro filme da distribuidora de Chico, a ideia é levar outros títulos conforme sejam adquiridos.

Dono do blog @filmesdochico, o jornalista compartilha suas críticas de filmes nas redes sociais. Junto com Michel Simões, os amigos apresentaram o podcast Cinema na Varanda, ao lado de Tiago Faria e com participações especiais de Cristiane Massuyama. Unidos pelo amor à sétima arte, Chico e Michel decidiram viajar a Cannes, onde assistiriam ao famoso festival de cinema. Entre uma e outra reunião para definir os preparativos, surgiu a fatídica ideia: “E se comprássemos um filme para distribuir no Brasil?”.
“Quando eu e o Michel fechamos nossa ida para Cannes, começamos a fazer umas reuniões para acertar coisas práticas, como viagem, hospedagem, etc. E, numa dessas reuniões, surgiu a ideia”, conta Chico. “Nós somos amigos há mais de 20 anos por conta da nossa cinefilia, tivemos blogs, dividimos um podcast sobre cinema e, embora nunca tenhamos pensado nisso antes, fazia todo sentido dar esse passo”, disse.
Para adquirir os direitos de um filme, era preciso ter uma distribuidora. Assim, de forma simples, prática e, sobretudo, criativa, criaram a Michiko, nome formado a partir da união dos nomes dos fundadores: Michel e Chico.
Em uma mistura de acaso com destino, a dupla assistiu ao filme Sol de Inverno e adquiriu um fascínio imediato. Segundo Chico, a ideia sempre foi adquirir os direitos de um filme em que acreditassem e que, é claro, coubesse no bolso.

“Nós assistimos ao filme em Cannes e ficamos encantados com ele. Achamos que, ao mesmo tempo em que lança um olhar sensível e forte sobre como uma cultura específica trata de temas delicados, é uma história universal sobre generosidade, laços e aceitação. E achamos que poderia funcionar no circuito alternativo de cinema no Brasil”, conta.
O filme se passa numa ilha pacata no Japão e acompanha a história do pequeno Takuya (Keitatsu Koshiyama), de apenas 9 anos, que se descobre na pista de patinação ao assistir às coreografias da jovem Sakura (Kiara Takanashi). Observado pelo treinador Hisashi Arakawa (Sôsuke Ikematsu), o garoto recebe uma oportunidade para treinar como parceiro de Sakura, porém, é chegado o período em que a neve se derrete.
Após a primeira exibição do filme no festival, logo buscaram pela empresa detentora dos direitos, sendo uma das primeiras a chegar, tornando a negociação mais interessante. “Conseguimos uma base de negociação bem interessante, apesar de que os custos de todas as etapas do processo são sempre maiores do que a gente imagina”, explica.
Embora pouco popular, Chico faz questão de exaltar o cinema japonês, citando algumas características particulares. Ele também ressalta o quão difícil é encontrar um filme dessa nacionalidade nos cinemas brasileiros.
“O cinema japonês é um dos melhores do mundo: Ozu, Kurosawa, Mizoguchi, Naruse, Imamura, Yamada, Oshima, pra citar só alguns, estão entre os grandes cineastas da história, cada um com um olhar muito particular sobre o mundo. Mas, mesmo hoje, nem todos os grandes filmes japoneses chegam ao Brasil. Acho que trazer filmes com traços culturais tão diferentes, concepções de mundo tão diversas, só enriquece.”
CINEMA NACIONAL E CINEMA NO BRASIL
Com o crescimento do cinema nacional, a dupla não descarta adquirir algum título no futuro. “Se gostarmos dos filmes, por que não? O cinema brasileiro está numa grande fase”, diz Chico. No entanto, ressalta a missão da Michiko, que é trazer para o cinema brasileiro filmes que normalmente não chegariam ao país. Por isso, a prioridade é continuar de olho nos festivais internacionais.
Mesmo com o foco mundo afora, Chico permanece com os pés no Brasil e comenta sobre os mais recentes sucessos. De acordo com o jornalista, o cinema brasileiro está ganhando mais uma chance de um público difícil. Ele também ressalta a importância de medidas como a cota de telas, que reserva sessões de cinema para filmes nacionais.

“Eu acho que estamos vendo isso agora. Ainda Estou Aqui chegando aos 4 milhões de espectadores; O Auto da Compadecida bombando; um filme independente como Baby lotando salas; Chico Bento também conquistando o público. Eu acho que o público redescobriu o cinema brasileiro, que foi tão maltratado por esse público por tanto tempo”, comenta.
Para que o cinema brasileiro continue fazendo sucesso, é preciso muito mais que simples políticas públicas, como observa o jornalista: “Um movimento muito natural que tem acontecido é que os diretores, os artistas, a própria Fernanda Torres e os críticos de cinema têm aproveitado essa onda de Ainda Estou Aqui para indicar outros filmes brasileiros. É necessário. Mas as políticas públicas que ajudem nossos filmes a circular, ou seja, que incentivem a distribuição, precisam ser cada vez mais reforçadas”, completa.
A Michiko está aí para ocupar um espaço que, por muito tempo, permaneceu vazio. Além de Sol de Inverno, a equipe está de olho em outro filme pouco circulado em Cannes. A ideia é buscar o ouro ainda bruto em cada festival, trazendo para o Brasil o melhor do cinema internacional.