A inspiração para compor a série "Cerâmica Hermética" veio da obra do multi-instrumentista alagoano Hermeto Pascoal. E da lida com o barro, sob a experiência e as mãos da mestra artesão Nilvinha, moradora do município de Lagoa da Canoa, o artista plástico e arquiteto Rafael Gomes Brandão deu vida às suas obras que têm a argila como matéria-prima.
Assim como Hermeto Pascoal trata sua obra musical "O Ovo" como ciclos da vida e da produção de aves de capoeira, Rafael Brandão apresenta "este" mesmo ovo como signo da cultura de resistência dos povos e fazeres tradicionais.
"Em um depoimento sobre a musica 'Slave Mass', Hermeto fala sobre a tortura e perseguição a que eram submetidos os negros escravizados quando fugitivos. Ele diz que no Nordeste eles eram amarrados a troncos de barrigudas e consequentemente açoitados... Essa foi a fala que norteou o projeto que já tinha um plano de fundo musical", pontua o artista, ao comentar sobre sua "Cerâmica Hermética.
E do conhecimento adquirido ao longo de sua formação acadêmica, que incluiu pesquisa sobre a arquitetura do terreiro, Rafael descobriu as demandas de resistência e valorização da cultura negra, "marginalizada e subjugada pelos poderes". Nesse contexto, seguiu com suas experimentações e criações artísticas até chegar às mãos da mestra Nilvinha, que abriu as portas da própria casa para a entrada do artista, que se hospedou no local e fez uso da oficina com forno a lenha que a artesã utiliza para cozer as tradicionais panelas e utensílios domésticos feitos com o barro.
Como resultado dessa incursão de resistência e tradição, surgiram 12 peças levadas à exposição pelo artista na cidade de Arapiraca. O primeiro momento de contemplação ao público aconteceu em novembro passado, por comemoração do mês da consciência negra. Mais recentemente, o artista reforçou o recebimento de elogios pelas obras durante a realização da 1ª Feira Literária de Arapiraca (Fliara).
Nas peça, a leitura do tradicional mesclado com a atualização da luta pela valorização da cultura negra se fazem presentes nas formas de Rafael Brandão, que apresenta "Cafusos", "Étnico Ovo" com uma estética própria com o barro, idealizada pelas mãos do artista arquiteto, que faz sua estreia no campo das artes com substância e talento.
"Das coisas boas que aconteceram esse ano em minha vida, uma das melhores, se não a melhor, debutar como artista plástico de fato e direito, estreando com cerâmica, outra paixão com a qual eu vinha há muito tempo querendo estreitar laços", comemora Rafael Brandão.
