Lá no Sertão de Alagoas, na cidade de Santana do Ipanema, seu Roninho Ribeiro desenvolveu um costume peculiar: passear por ferros velhos em busca de inspiração. São nesses lugares, onde a sucata encontra seu destino, que ele escolhe pedaços de metais que parecem inservíveis, leva para casa e os transforma em obras de arte. Cangaceiros, figuras interioranas, personagens do imaginário nordestino e também da imaginação de Roninho: das mãos habilidosas nascem histórias forjadas a ferro e fogo.
O artista é autodidata e tem poucos recursos. Em seu ateliê, que só abre com hora marcada, normalmente para turistas, Roninho consegue produzir até cinco peças por dia e se orgulha de finalmente viver da arte que produz. Com mais de 30 anos de ofício, somente há quatro ele produz peças em metal — o suficiente para ganhar reconhecimento nacional e até internacional.
Leia também
“Comecei com pintura em tela, isso já tem mais de vinte anos. Mas a pintura em tela tem um público mais resumido, é uma arte mais requintada, pra ser mais explícito. E pra um artesão poder sobreviver, tem que expandir o público ao máximo”, conta Roninho Ribeiro.
Da pintura em tela, área na qual também ganhou notoriedade, o santanense passou para esculturas em argila, e se apaixonou pelas possibilidades de criação com esse material. Mas uma coisa o incomodava: a fragilidade das peças.
“Fui pra argila, participava de feiras, levava as peças, vendia tudo. Às vezes participava de feiras que duravam três dias, mas eu vendia tudo no primeiro dia. Mas me entristecia demais a argila, porque ela quebrava, parecia uma arte sem longa vida, caiu, acabou a história. O ferro não, o ferro o cliente leva e vai ter aquilo ali pra sempre, por muito tempo, pode arranhar, precisar de uma manutenção, mas não vai quebrar”, afirma.
Foi aí que o artista de 55 anos resolveu colocar em prática o plano antigo de transformar sucata de ferro em arte. Ele começou escondido, revela, aprendendo sozinho a arte de soldar, testando, aperfeiçoando o sonho e a técnica, até ter certeza de que havia chegado a hora de mostrar as obras de Roninho Ribeiro ao mundo.
“Fazer esculturas com ferro era um projeto que eu tinha há muitos anos, mas eu não tinha coragem de colocar em prática porque eu não sabia nada de solda. Eu tinha colegas que eram soldadores, mas eles diziam que isso não dava futuro. Já que não quiseram, eu assumi essa responsabilidade.”
“No início eu produzia 100% reciclável, pegava os ferros nas oficinas, nos ferros velhos, pegava pedaço de ferro na rua e fazia os trabalhos. No passar do tempo, tive que fugir um pouco disso, por causa do que o mercado exige. Eu precisava encontrar algo que não fosse tão pesado, porque o ferro é muito pesado, aí comecei a misturar um ferro menos pesado com madeira e fibra. Hoje, acho que 30% do material é de reciclagem”, explica o artesão.
A mudança na matéria-prima foi importante para expandir a atuação. Além de continuar participando de eventos e feiras, Roninho vende suas obras pela internet e até já exportou esculturas de ferro para o Canadá, EUA e Argentina. “Mas eu ainda sinto muita dificuldade de enviar as peças de ferro pra fora, né? Porque o envio, muitas vezes, fica o valor da peça”, argumenta. “Mas a internet foi uma forma que eu encontrei de ter um retorno muito rápido. Pra você ter uma ideia, um artista do Sertão de Alagoas não tem pra onde correr pra mostrar seu trabalho, é como diz o ditado, santo de casa, não faz milagre, então a gente encontrou na internet uma forma de chegar a mais pessoas e ter visibilidade”, pondera.
DESAFIANDO A NATUREZA
Apesar das dificuldades, o artista diz que é movido a desafios e aceita encomendas de todos os tipos. “Agora que aprendi a soldar, faço bustos, faço obras mais requintadas, faço trabalhos maiores. Fiz até uma estátua em tamanho real, um metro e oitenta, do doutor Isnaldo Bulhões, aqui em Santana. Também fiz bustos de outros dois políticos para a cidade de Major Isidoro”, diz Roninho.
Para ele, a arte desafia a natureza do ferro. O trabalho com o material fez com que Roninho mudasse sua percepção acerca da vida e, apesar da realidade dura e muitas vezes embrutecedora do sertanejo, enxergar ainda mais beleza na sua realidade.
“A minha maior alegria é passear pelo ferro velho. Eu gosto de andar, sem ter hora, você olha e já enxerga alguma coisa. Quem é do meio sabe do que eu tô falando. A gente olha para as coisas, e isso é que é interessante na arte do ferro, a gente tem que olhar tudo e pensar diferente”, relata.
“Pra essas obras grandes e que exigem mais atenção eu faço projeto, medição, tudo. Mas, no geral, a minha alegria é não usar trena, é ir com o olhar e com o coração, eu esqueço do mundo e de tudo quando tô no meu ateliê, eu olho pra um pedaço de ferro e já penso que aquilo tem cara de uma coisa, de outra, vejo um objeto no ferro velho e penso que podia virar um personagem”, continua Roninho.
“Desde o início e até hoje, eu faço de tudo. Mas a minha ideia de arte é trabalhar a cultura nordestina, o cangaço, as figuras do nosso Nordeste. É claro que o artesão termina fazendo muito do que o cliente quer, mas eu digo com orgulho que a minha especialidade é em personagens nordestinos. E acho que tem a ver com o ferro, com a força, com a resistência do ferro”, conclui Roninho Ribeiro.
O artista santanense é uma das atrações do Festival Manguaba, evento gratuito que ocorre até o dia 14 de outubro, no bairro Jaraguá, em Maceió. Até este domingo (9), será possível contemplar e adquirir obras de Roninho Ribeiro no local, em frente ao Mucuri, a partir das 14h. O festival é aberto ao público.
-
| -
| -
| -
| -
| -
| -
| -
| -
| -
| -
| -
| -
| -
| -
| -
| -
| -
| -
| -
| -
| -
| -
| -
|
App Gazeta
Confira notícias no app, ouça a rádio, leia a edição digital e acesse outros recursos
