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Alagoano leva instalação artística inspirada em expressões populares para a Bienal de Veneza

Mostra inédita "Com o coração saindo pela boca" é assinada por Jonathas de Andrade e representa o Brasil no evento

Quem nunca sentiu um “nó na garganta” depois de uma “dor de cotovelo”? Ou se indignou com o próprio “dedo podre”, a prova de que não temos “sangue de barata”? Quem pode dizer, mas sem “pagar a língua”, que nunca quis aproveitar uma “boca livre” ou passar mais tempo com a “cabeça nas nuvens”? - Essas e outras expressões tão brasileiras provocaram o artista alagoano Jonathas de Andrade a construir a instalação “Com o coração saindo pela boca”, que representa o Brasil na mais antiga mostra de arte do mundo, a Bienal de Veneza, aberta na semana passada.

No Pavilhão do Brasil na 59ª edição da bienal, Jonathas de Andrade quer refletir sobre a formação e as idiossincrasias do povo brasileiro, considerando episódios e processos históricos. O alagoano de Maceió tem 40 anos, é radicado no Recife, em Pernambuco, e um dos mais proeminentes nomes de sua geração. Andrade é lembrado por trabalhos que retratam e reimaginam determinados projeto e estéticas do país - como o “Educação para Adultos”, em que reúne e atualiza a dimensão política e imagética de 60 cartazes usados nos anos 1960 por Paulo Freire para a alfabetização.

O alagoano foi escolhido como representante oficial do Brasil na Bienal de Veneza por Jacopo Crivelli Visconti, curador da participação nacional na tradicional mostra italiana e também curador geral da última Bienal de São Paulo. Visconti diz que Jonathas busca a autenticidade popular brasileira em seus trabalhos, que também abordam temas como o universo do trabalhador e a identidade do sujeito contemporâneo, por meio de “metáforas que oscilam entre a nostalgia, o erotismo e a crítica histórica e política”, elabora.

“Esta mostra comissionada a Jonathas de Andrade parte de peculiaridades da linguagem brasileira para abordar questões universais, criando imagens com as quais a diversidade de visitantes deste evento internacional poderão se identificar. Com esta exposição, reforçamos nossa missão de fomentar a arte brasileira e levar o que há de mais pulsante da produção artística de nosso país para os diversos cantos do mundo”, explica José Olympio da Veiga Pereira, presidente da Fundação Bienal de São Paulo, a qual o alagoano representa na bienal.

A exposição é composta por impressões fotográficas, esculturas (algumas delas interativas) e um vídeo, e tem entre suas referências as feiras de ciência que o artista conheceu quando criança, em particular a experiência de visitar a boneca Eva (uma gigantesca boneca de 45 metros de fibra e espuma que rodou o país nos anos 1980, na qual o público podia entrar para conhecer o funcionamento do corpo humano).

“Existem centenas de expressões populares com partes do corpo para descrever sentimentos e situações. Elas envolvem literalidade e absurdo para dar conta da subjetividade, o que para o momento do Brasil, é muito revelador. Usar essas expressões para falar da perplexidade do corpo brasileiro diante do presente em tantas instâncias – política, social, ecológica – me parece muito potente”, afirma Jonathas.

“As expressões desta coleção compõem bem este panorama emocional nacional, por exemplo ‘entrar por um ouvido e sair pelo outro’ e ‘de partir o coração’”, explica o artista.

O curador Crivelli Visconti afirma que o artista trilha um caminho perspicaz para representar o Brasil, ou apenas aludir a ele, o que passa inevitavelmente pelo corpo de quem vive na pele e na carne, cotidianamente, as dificuldades, as violências e as injustiças que se repetem, ano após ano, década após década, século após século. “Um corpo literal e repetidamente fragmentado, silenciado, ignorado, despedaçado. Mas essas partes isoladas e objetificadas de corpo também o transcendem, ao introduzir o outro elemento estruturante da exposição: a linguagem”, afirma Crivelli Visconti.

O LEITE DOS SONHOS

Aos 127 anos, a Bienal de Veneza havia sido adiada em 2020 por causa da pandemia. A edição de 2022 tem organização da italiana Cecilia Alemani e foi batizada “The Milk of Dreams”, ou o leite dos sonhos, remetendo a um livro da artista surrealista britânica Leonora Carrington, morta há dez anos. Para Alemani, “a artista descreve um mundo mágico em que a vida é constantemente repensada através do prisma da imaginação, e onde todos podem mudar, ser transformados, tornar-se outra coisa e outra pessoa. A exposição nos leva a uma jornada imaginária pelas metamorfoses do corpo e das definições de humanidade”.

O Brasil é representado pela Fundação Bienal de São Paulo, representada oficialmente pelo alagoano Jonathas de Andrade no Pavilhão do Brasil. Mais cinco brasileiros levaram trabalhos à mostra, o artista indígena Jaider Esbell, Lenora de Barros, Luiz Roque, Rosana Paulino e Solange Pessoa.

“A ideia de representar o Brasil, hoje, seja onde for, é antes de tudo um desafio pela responsabilidade diante do quadro de complexidades cruciais que o país enfrenta”, diz Jonathas de Andrade. “Que a arte consiga traduzir o embaraço que é viver nos nossos tempos e que inspire sonhos que permitam desatar esses nós.”

Ao todo, o evento reúne 1.433 obras de 213 artistas de 58 países diferentes. A exposição do alagoano segue em cartaz até novembro, em contínuas provocações e celebrações do povo brasileiro, que vive no “olho do furacão”, faz “das tripas coração”, mas, tantas vezes, acaba ficando “de braços cruzados”.