Alugar veículos para transportar cocaína atravessando o Brasil em direção ao Nordeste brasileiro. Essa foi a estratégia usada pelos policiais rodoviários federais Diego Dias Duarte (vulgo Robocop) e Raphael Ângelo Alves da Nóbrega para tentar despistar os colegas de farda e a fiscalização pelas rodovias brasileiras.
Diego e Raphael foram alvos da Operação Puritas, deflagrada em 7/11 pela Polícia Federal. Eles obedeciam aos comandos do traficante José Heliomar de Souza, apontado pela PF como mentor intelectual, coordenador e líder da organização criminosa sediada em Porto Velho, em Rondônia.
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A droga tinha como destino a facção Comando Vermelho (CV) no Ceará. Os agentes da PRF cobravam até R$ 2 mil por quilo de cocaína transportada.
A Polícia Federal, em colaboração com a Corregedoria da Polícia Rodoviária Federal, identificou que Raphael Ângelo alugou sete veículos em menos de dois anos. Já Diego Duarte alugou carros em 16 situações no mesmo período, tendo inclusive emprestado um dos veículos para Heliomar.
A estratégia foi adotada para driblar a fiscalização, segundo a PF. Caso eles utilizassem um mesmo veículo para transportar drogas várias vezes, o sistema de inteligência da instituição acusaria a frequência do automóvel.
A partir da quebra de sigilo bancário, de notas fiscais e de metadados de GPS dos aparelhos celulares dos suspeitos, a PF conseguiu traçar o caminho da droga.
Viagem sem parar
Os PRFs saíam de Porto Velho (RO) e de outras cidades na área de fronteira do Brasil em direção a Fortaleza (CE). A droga tinha como destinatário Lucas Acácio Botelho, o “Don Príncipe”, autodeclarado membro do Comando Vermelho.
Segundo a Polícia Federal, Don Príncipe desempenhava um papel central na organização criminosa no Ceará.
Além de ser um dos destinatários da droga, Don Príncipe também era encarregado de coordenar os membros locais responsáveis pela logística e pelos pagamentos relacionados ao tráfico de drogas.
O trajeto feito pelos PRFs poderia levar de três a quatro dias de viagem de carro, mas Raphael e Diego se revezam no volante e faziam o percurso em menos tempo. A informação foi confirmada à coluna por uma fonte a par das investigações.
Operação Puritas
Além de Diego Duarte e Raphael Angelo, outros três policiais militares foram alvos da Operação Puritas, assim como Heliomar e Don Príncipe.
Segundo as investigações, os agentes de segurança pública eram responsáveis pelo transporte de toneladas de drogas destinadas principalmente ao CV no estado do Ceará. O grupo criminoso poderá responder por tráfico interestadual de drogas, associação criminosa e lavagem de dinheiro.
Além do transporte de centenas de quilos de cocaína, os agentes de segurança pública tinham outras funções na organização criminosa: contrainteligência e direcionar flagrantes contra quadrilhas rivais. Eles usavam informações “sensíveis” e “sigilosas” para beneficiar o grupo criminoso, como saber quando e onde ocorreriam “blitzes” e operações, bem como apontar rotas alternativas.
PRFs reclamaram do valor do frete da droga: ‘Tá ruim’
A quebra do sigiloso telefônico e telemático dos investigados apontou conversas nas quais Diego Duarte e Raphael Ângelo negociavam o valor do “frete” da droga e elaboravam estratégias para não serem pegos transportando a cocaína nas rodovias do país. A informação consta em diálogos obtidos pela PF, aos quais a coluna teve acesso.
Um dos diálogos ocorre entre 17 e 19 de dezembro de 2021. Por ser véspera de Natal, eles falam sobre adiar a entrega para janeiro e afirmam que “toda semana aparece oportunidade”. Os dois PRFs consideram “baixo” o valor de R$ 35 mil para transportar 70 kg de cocaína. Para eles, o mínimo teria que ser R$ 1,5 mil por quilo da droga, ou seja, R$ 105 mil.
Raphael Ângelo escreve para Diego afirmando que “desta vez não rola” fazer o transporte da droga por menos de R$ 2 mil. Em outra mensagem, afirma que aceitaram fazer o serviço anteriormente no valor menor para “fechar a parceria”.
No dia 18 de dezembro, Raphael pergunta para Diego qual “estratégia” ele estava pensando para transportar, porque não estava se sentindo estimulado. No áudio transcrito pela Polícia Federal, Raphael volta a reclamar do valor do serviço. “Me diga aí qual a sua estratégia, para ver se me estimula aqui, porque ali está uma micharia [sic], cara”.
Diego responde o colega afirmando que “tá ruim mesmo”. Em seguida, fala que seu plano é comprar um carro em Porto Velho (RO) e dirigir o veículo sem placa mesmo. Raphael elogia a ideia do parceiro. “É uma boa.”
No mesmo dia, Raphael também diz a Diego que Heliomar, o chefe da organização criminosa, “está apertando” para que eles façam o frete mesmo assim, porque isso “abriria portas” aos dois.
PRF foi preso por transportar meia tonelada de cocaína
Raphael Ângelo chegou a ser preso em flagrante em julho de 2023 transportando 542 kg de cocaína em Canarana (MT), a 823 quilômetros de Cuiabá. Na ocasião, ele capotou a caminhonete que pilotava com as drogas, tentou empreender fuga em um táxi, mas foi rendido.
Ele estava acompanhado de Suziele Gomes de Oliveira, que também pertencia à organização criminosa. A PF identificou que a mulher acompanhava tanto Diego Duarte quanto Raphael Ângelo no transporte das drogas. Em um dos aparelhos celulares apreendidos com ela, os investigadores encontraram várias buscas e histórico de rotas realizadas para o transporte de entorpecentes.
Naquela época, Raphael já era investigado por tráfico de drogas e trabalhava lotado na unidade da PRF em Natal, no Rio Grande do Norte. No curso das investigações, a PF identificou que ele recebeu um Jeep Compass como forma de pagamento pelo transporte de drogas. Raphael foi demitido pelo ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, em 24 de julho deste ano, em razão de um Processo Administrativo Disciplinar (PAD)
Em relação a Diego Duarte, ele está atualmente lotado na PRF da Bahia, mas já trabalhou na cidade de Guajará-Mirim, em Rondônia, na fronteira com a Bolívia. Diego foi preso no último dia 7/11. A Polícia Federal apreendeu na casa dele, em Feira de Santana, um cofre com R$ 580 mil e US$ 8,1 mil de dinheiro em espécie.