O cheiro doce do chocolate parecia inofensivo. Pequenos pedaços de felicidade embrulhados em papel colorido, prontos para serem saboreados por duas crianças que nada sabiam da crueldade que estava por vir. Com a inocência de quem ainda acredita que o mundo pode ser um lugar seguro, elas aceitaram o bombom, sem imaginar que aquele doce carregava a morte. Um veneno silencioso, quase imperceptível, que começou a corroer o corpo daqueles meninos desde o primeiro contato. A agonia veio aos poucos, e com ela, o fim de uma vida que mal havia começado.
Benjamim Rodrigues Ribeiro e Ythallo Raphael Tobias Rosa, dois meninos negros de 6 e 7 anos, moradores de Cavalcanti, Zona Norte do no Rio de Janeiro, se tornaram mais duas vítimas de uma violência invisível aos olhos de muitos brasileiros. Os garotos, envenenados após comer bombons que continham “chumbinho”, um veneno cruelmente administrado por alguém que ainda não foi identificado, são mais um capítulo trágico na história de jovens negros que perdem a vida sem que a sociedade pare para lamentar.
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Enquanto as famílias choram, o Brasil, em sua maioria, segue em silêncio. As manchetes surgem, os detalhes mórbidos são revelados, mas, ao fim do dia, o impacto se dilui. Como tantas outras tragédias envolvendo corpos negros, esse caso será lembrado por poucos e esquecido rapidamente. E se, em vez de Benjamim e Ythallo Raphael fossem crianças de pele clara, filhas de famílias ricas, moradoras da Zona Sul do Rio de Janeiro? A comoção seria a mesma? A resposta para essa pergunta, infelizmente, já conhecemos. Se tivessem vivido uma infância privilegiada? As manchetes seriam diferentes, as capas dos jornais estampariam seus rostos, e a indignação pública se multiplicaria. Celebridades fariam postagens emocionadas, políticos dariam declarações solenes, exigindo justiça imediata. Mas quando são meninos negros, o silêncio toma conta.
A indiferença que mata
A cada 23 minutos, um jovem negro é assassinado no Brasil. Segundo dados da ONU, esse número alarmante revela uma realidade que já está enraizada no país. Morrer vítima de um crime brutal, parece ser mais um detalhe insignificante para uma sociedade acostumada à violência seletiva. A pergunta que devemos nos fazer é: por que a morte de jovens negros, como Benjamim e Ythallo, não gera a mesma comoção pública que casos de violência envolvendo crianças brancas e ricas?
Não podemos esquecer o caso de Miguel Otávio Santana da Silva, de 5 anos, que morreu em 2 de junho de 2020, após cair do 9º andar de um prédio de luxo no Recife, Pernambuco. A morte do menino ocorreu após ele ser abandonado no elevador por Sarí Corte Real, a patroa de sua mãe, Mirtes Renata de Souza.
Nos casos em que vidas negras são interrompidas, a sociedade brasileira parece encarar com uma frieza desoladora. A dor dessas famílias, o desespero dessas mães, não ressoa no país como deveria. Por que aceitamos, com tamanha apatia, a perda de vidas negras? Porque, quando falamos em justiça, parece que a vida de alguns vale mais do que a de outros.
A violência, no Brasil, tem cor. E essa cor é preta.
Não podemos ignorar o fato de que, quando a violência atinge as pessoas negras, a resposta das autoridades e da sociedade civil é, na maior parte das vezes, a indiferença. As mortes das crianças negras são tratadas como mais uma estatística, sem grande atenção. E esse tratamento não é exceção, mas a regra.
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