O espetáculo esportivo do futebol no Brasil sempre foi uma pausa na realidade cotidiana para milhões de brasileiros, um misto de emoções e esperanças, uma explosão de alegria da vitória ou as lágrimas sofridas da derrota. A catarse e o futebol sempre andaram de mãos dadas.
Mas, nas últimas décadas, o que era a celebração da paixão esportiva tem se tornado cenário de um comportamento sombrio: a violência. O recente episódio na final da Copa do Brasil, entre Atlético Mineiro e Flamengo, onde torcedores arremessaram objetos e até bombas em campo, e toda a confusão generalizada que se deu em seguida, não foi um ponto fora da curva, foi mais um capítulo comum de uma realidade que insiste em se repetir nos estádios e fora deles pelo País, fazendo vítimas.
Afinal, por que a rivalidade se transforma em hostilidade? Pesquisadores da violência no futebol, sugerem que, quando torcemos, não estamos somente apoiando um time, estamos, simbolicamente, defendendo nossa comunidade, nossos valores e nossa própria identidade. No entanto, quando essa identidade é colocada frente a frente com outra – seja nas arquibancadas ou no caminho para o estádio –, ela pode encontrar no adversário não um competidor, mas um “inimigo”.
“A violência no futebol é um fenômeno social, um reflexo de uma sociedade em crise de valores”, afirma Maurício Murad, no livro “A violência no futebol: novas pesquisas, novas ideias, novas propostas”. Murad explora como o futebol torna-se um palco onde se manifestam as frustrações, o sentimento de insegurança e a ausência de perspectivas que rondam as camadas mais marginalizadas da população.
BONS EXEMPLOS PELO MUNDO
O Reino Unido, que já enfrentou graves problemas com os hooligans nas décadas de 1980 e 1990, implementou uma série de medidas eficazes, incluindo câmeras de vigilância dentro e fora dos estádios, identificação dos torcedores por meio de um sistema digital, proibição de entrada de torcedores violentos e criação de tribunais específicos para julgar crimes relacionados ao futebol.
Na Alemanha, uma das iniciativas mais exemplares é o programa “Embaixadores de torcida” (“Fan Projects” ou “Fan Liaisons”) que envolve profissionais que trabalham diretamente com torcedores de clubes como o Borussia Dortmund, promovendo diálogo e prevenindo conflitos de maneira eficaz. Além disso, em jogos de grande rivalidade, os estádios contam com um sistema de policiamento que envolve forças de segurança especialmente treinadas para a gestão de multidões e para lidar com eventos esportivos de grande porte.
No Brasil, embora existam iniciativas semelhantes, a falta de uniformidade na aplicação dessas práticas ainda compromete sua eficácia. Além disso, a punição para torcedores envolvidos em atos de violência é lenta e, em muitos casos, inconclusiva. Sem consequências claras, a violência se torna um ciclo vicioso.
Nesse aspecto, nosso Estado de Alagoas já avançou muito e é modelo para outras regiões do País quando se fala de segurança dentro dos estádios, e apuração de crimes envolvendo torcidas, pois tem conseguindo combater, identificar e punir agressores. Nos últimos dois anos, 11 dirigentes de torcidas organizadas foram para o banco dos réus em Alagoas, por organização criminosa, e cerca de 50 bombas foram apreendias em Maceió, além de outros artefatos. A atuação das polícias, do Ministério Público e da Justiça foram cruciais no combate a este tipo de violência. E aqui quero destacar o trabalho excepcional do delegado Lucimério Campos à frente dessas investigações.
MUDANÇA DE MENTALIDADE
Se queremos combater a violência, precisamos, talvez, começar a combater também a linguagem raivosa, a forma cheia de ódio como nos dirigimos ao outro torcedor, às vezes até profissionais da imprensa instigam o ódio das torcidas, não só contra os rivais mas também contra seus próprios clubes, jogadores e dirigentes, esquecendo do papel de formadores de opinião. Devemos pensar também sobre o modo como ensinamos a próxima geração a vivenciar a experiência do futebol. No fim, a pergunta que fica é: como resgatar a essência do futebol como um espetáculo seguro e inclusivo, onde famílias e torcedores de todas as idades possam voltar a se sentir bem-vindos?